segunda-feira, 2 de junho de 2008

O sal na ferida.

Texto de Fausto Fawcett. Escritor e músico.


Victor Mascarenhas sabe derramar sal na ferida das vidas vazias. Derrama bem devagar só pra curtir o cidadão ou, melhor dizendo, o sub-cidadão estribuchando ridiculamente por causa do seu ferimento de abandono social, de náufrago existencial. Os doze contos de “Cafeína” são um passeio dantesco por vidinhas que andam em círculos de imobilidade mental, social, sentimental. Pessoas cujos corações transformaram-se em bombas-relógio prontas a explodir por qualquer motivo. Implodir ao menor sinal de emoção forte que os tire da rotina de carregar a pedra de Sísifudeu que eles carregam em círculos de mediocridade e paralisia mental, social. Infartos de tudo e de todos. Isso fica patente na maioria das histórias e Victor se comporta como um fiscal de afetos doentios, um fiscal de vidas reduzidas a taras insólitas. Ele, enquanto fiscal de afetos doentios, vai nos guiando por uma espécie de Disneylândia dos desgraçados, gente que nalgum momento de suas vidas desperdiçadas resolve dar um último grito de afirmação vital, se agarrando a alguma coisa, alguma pessoa, alguma atitude mandando ver num desesperado sim ou num fulminante e espetacular não à existência. Taras insólitas. É a isso que se reduzem as vidinhas que andam em círculos de mediocridade, imobilidade, espécie de coma mental, social.
Victor Mascarenhas como bom capataz de sonâmbulos e zumbis existenciais camuflados no dia-a-dia, nos convida a segui-lo com sua escrita-facão, numa batida pelos becos sem saída das mentes encurraladas num ponto fixo e maníaco das suas vidas desesperadas. É o que fica explícito na maioria das fábulas cheias de situações inusitadas que pisam fundo no acelerador do grotesco, do patético e do sórdido monitorados pelo Grande Exu do Sarcasmo.
É nervosa a matéria-prima com que trabalha Victor Mascarenhas, o capataz dos sapiens-zumbis, dos sapiens-sonâmbulos, dos sub-sapiens. Com sua escrita-facão ele dá uma blitz rasante em Salvador e pega no flagrante todo o sórdido-patético-grotesco das vidas reduzidas a taras surpreendentes. Mas por incrível que pareça, existe uma verdade-constatação que serve de sinistro álibi para essa rapaziada bicho-solto do convívio social. A verdade-constatação de que existem fomes de viver que são impossíveis de serem saciadas com democracias, confortos tecnológicos, consciência social, mundo melhor, submundo crítico etc. Mesmo sendo rico ou classe média. Mesmo sendo pobre ou fodido super-lumpem pra caralho as promessas de felicidade e contra-felicidade que estão por aí podem não interessar.
Aí, meu chapa, a pessoa pode virar buraco negro de onde não sai mais luz e pra ela só resta a gravidade de uma atitude violenta quase sempre gratuita. Sem escala em frustrações ou antecedentes de trauma psicológico. Não tem por quê. É ódio à toa.
Victor Mascarenhas trabalha direto o barato de emergência fulminante espalhado nos atos e posturas desses personagens maníacos, tarados, desgraçados afirmativos, solitários fundamentalistas do inesperado, gente catástrofe gerando mitologia do desengano na confusão urbana.
Victor sabe muito bem flagrar o dark side, o lado escuro cheio de vida estranha dos habitantes de Salvador, sabe muito bem tocar na vibração da cidade como metrópole de um país ainda periférico, metrópole que é aglomerado urbano cheio de tensão e iminência bárbara. Victor sabe muito bem derramar sal na ferida das vidas vazias, Victor Mascarenhas sabe das coisas. Fiquem de olho nele.



* O texto está editado. A versão integral está disponível apenas no livro.


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