segunda-feira, 22 de junho de 2009

Cafeína na Verbo 21.

Uma "escrita vagabunda"?
por Adelice Souza.

A escrita deste livro é suja como uma mesa de boteco toda manchada de café. Mas o café...hum... é aquele do quente-frio do carrinho do Seu Zé, feito de um pó de grãos da mais refinada plantação, a cafeína presente em Dostoievski, Nelson Rodrigues, Albert Camus e Philip Roth. Cada um no seu continente influenciando este rapaz que veio de uma casa cheia de gibis, jogos de futebol de botão, fitas cassetes e vinis de rock’n roll. Não há angústia nem ansiedade com a influência destes e de outros tantos autores – bem citados nas epígrafes – em Cafeína. A apropriação se intensifica produzindo algo que já traduz um estilo neste primeiro livro de contos de Victor Mascarenhas.
Ele acabou produzindo em conto o que já foi pensado para ser roteiro de curta ou longa-metragem. O que entendemos por redução de linguagem? Ele reduziu um roteiro a um conto? Um conto é menor que um roteiro? Aqui, não há redução, os contos são cinematográficos e as imagens se ampliam nas ações que movimentam a narrativa.
O autor passeia pelos estilos de forma inusitada, como um inglês que morasse em Salvador e odiasse praia. Ora temos histórias de amor revelando o nojo das suas entranhas :“E de tanto suar, chorar e vomitar amor, sua saúde se ressentia e o seu corpo era invadido por vírus, que faziam sua garganta doer e o seu pulmão se encher de secreções que eram expelidas com fúria incontrolável. Era o amor sendo expelido dos seus brônquios. O amor virara catarro...”; ora melancolias sendo reveladas enquanto as personagens transitam por zonas de baixo meretrício, ruas imundas, inferninhos, rodadas de táxi ou simplesmente dentro dos próprios desvãos dos seus destinos: “Mas nada disso interessa a Armando. Seus instintos selvagens querem sexo. Não sexo Sharon Stone. Sexo putaria, sexo sacanagem, sexo pau no cu. Esse tipo de sexo fica no final do labirinto”
Eu abro o livro e enquanto vou lendo, túneis noturnos se clareiam. Vejo a condução despretensiosa que vai nos levando a uma emoção no meio da trivialidade. Os leitores mais distraídos vão derrapar a qualquer momento em um palavrão e pensar que o livro é outra coisa. Mas não queiram tão pouco. Vasculhem. Pois no meio da merda nascem lótus. O que seria uma ‘escrita vagabunda’?. Brincando, alguém poderia responder: aquela que dá pra qualquer um, dá para todos, mas dá gostoso.... Pois, é desta ‘escrita vagabunda’, saem metáforas preciosas de pessoas solitárias e amarguradas na grande cidade. “Começou chupando o pau de um tio por parte de pai, quando ela ainda morava em Cosme de Farias, que lhe prometera uma Barbie se ela o deixasse gozar na sua boca. Ela tinha uns 12 anos e descobrira ali que podia ganhar a vida sem precisar trabalhar, apenas alugando os seus buracos para homens com dificuldade em encontrar buracos gratuitos por aí.”
Não sou teórica, não vou enquadrá-lo num rótulo, o livro não é sabão em pó. Ele se assemelha mais a uma gordura esfregada numa parede. Mas não queiram limpar a gordura, porque ela não está na superfície; ela já se fez mancha, impressa como uma cicatriz.
O que eu posso sugerir ao leitor? Senta aí nessa mesa e toma esse café!

Resenha escrita pela escritora e diretora teatral Adelice Souza. Autora de As camas e os cães, Caramujos Zumbis, Para uma certa Nina e diretora de Jeremias, Fogo Possesso, De alma lavada, Na solidão dos campos de algodão, Hamlet Machine entre outros espetáculos. Texto publicado na revista eletrônica Verbo 21.

Um comentário:

ediney disse...

coisas sujas tende a coisas boas de se estar lendo